São Paulo - Brasil x Argentina, Beatles x Rolling Stones,
Coca-Cola x Pepsi. A história sempre foi marcada por grandes rivalidades que
invariavelmente terminam em acaloradas discussões.
No mundo da tecnologia não é
diferente. O primeiro embate entre aficionados teve início na década de 1980,
com a popularização dos computadores pessoais. De um lado estavam os defensores
dos PCs. De outro, os fãs do Macintosh. O resultado da disputa Apple x
Microsoft todo mundo conhece. Três décadas depois, o universo da tecnologia
continua polarizado.
Com uma diferença: mudaram-se os personagens. No lugar de brigar
com a Microsoft, agora a empresa de Steve Jobs tem como grande adversário o
Google. Android e iOS, os sistemas operacionais por trás dos celulares mais
badalados do mundo, passaram a competir por um mercado que vendeu mais de 420
milhões de aparelhos no primeiro trimestre deste ano, dos quais 25% eram
smartphones. Assim como aconteceu na guerra dos computadores pessoais, o
vencedor dessa disputa vai definir o futuro da tecnologia móvel.
A Apple saiu na frente nessa briga, com o
bem-sucedido lançamento do iPhone, em 2007. Durante quase três anos, o
revolucionário celular dominou o mercado com relativa tranquilidade. A coisa
começou a mudar com a chegada de aparelhos como o Droid, da Motorola, e o
Galaxy S, da Samsung, os primeiros hits equipados com o Android. Foi um
sucesso. No final do ano passado, o Google já tinha ultrapassado o iOS como o
sistema operacional mais usado do mundo - atrás apenas do Symbian, da Nokia,
que está com os dias contados. Hoje, o Android pode ser encontrado em 100
milhões de celulares, e esse número só cresce. A cada dia são ativados 400 mil
novos aparelhos com o software do Google. É mais do que o dobro das ativações
de iPhones. O crescimento pode ser explicado pelo número de celulares com o
sistema operacional: são 310 modelos fabricados por 36 marcas. A Apple tem
apenas um celular e seu sistema está presente em dois modelos. A estratégia de
espalhar o software no maior número possível de plataformas compensa. Estudo do
instituto de pesquisas Gartner mostra que, até o final de 2012, quase metade
dos smartphones do mundo será equipada com o sistema representado pelo
robozinho verde.
Num
prazo de pouco mais de um ano, o Google conseguiu duas façanhas. A primeira foi
mudar o significado da palavra androide. Quem procura no dicionário encontrará
no verbete a descrição "autômato de figura humana". Nos 96 países
onde o Android está disponível é diferente: o termo virou sinônimo de telefone
que acessa a internet. Mais importante, o Google conseguiu fazer frente ao
crescimento da Apple. Por um capricho da história, o mais poderoso rival do
iPhone começou a ser desenhado nos corredores da empresa de Steve Jobs. Foi lá
que Andy Rubin, o criador do Android, trabalhou durante três anos,
desenvolvendo sistemas operacionais. Saiu da Apple em 1992 para tentar a sorte
na Microsoft e, depois, criar negócios próprios. O último tinha como principal
produto um software para celulares baseado em Linux. Criado em 2003, o Android
chamou atenção do Google, que comprou a empresa depois de dois anos e fez de
Rubin seu vice-presidente de engenharia.
Matadores de iPhone
O início do Android não foi fácil. Os
primeiros aparelhos equipados com o sistema operacional não encantaram o
mercado, como havia acontecido com o iPhone. O G1, lançado em 2008 pela HTC,
foi recepcionado com críticas negativas e vendas desanimadoras. A Motorola, que
atravessava um período de dificuldades financeiras desde o lançamento do Razr,
em 2004, também tentou sem sucesso. Depois foi a vez de uma série de
smartphones da Nokia, da Palm e da Microsoft, que se apresentavam como os
"matadores do iPhone", numa tentativa quase desesperada de conter o
crescimento da Apple. Um após o outro, eles falharam. Foi assim até outubro de
2009, quando chegou ao mercado outro Motorola, o Droid, e logo depois o Samsung
Galaxy S. Pela primeira vez, dois celulares tinham condições de disputar em
condições de igualdade com o iPhone.
Preços menores
O sucesso do Google pode ser explicado por uma
visão diferente do que deve ser o mercado de celulares. Diferentemente de Steve
Jobs, que gosta de controlar com rédea curta todas as etapas do processo de
produção, do projeto do hardware e até do software e de serviços, o Google
prefere a terceirização. Embora a empresa seja o grande nome por trás do
Android, o desenvolvimento do aplicativo é feito com a ajuda de gigantes da
tecnologia como Dell, Intel, LG, Motorola, Nvidia, Samsung e Sony. O resultado
dessa colaboração? O consumidor pode comprar um aparelho com o sistema
operacional escolhendo entre dezenas de marcas e centenas de modelos. A faixa
de preço vai de 254 reais, valor do X850, da ZTE, a 2 399 reais, preço cobrado
pelo Nexus S, do Google.
"A Apple não oferece muitas opções, e a
única diferença de preço está na quantidade de memória", diz o analista
Tuong Huy Nguyen, do Gartner. "O Android pode ser encontrado na Motorola, na
Samsung e em outros fabricantes que, com a competição, alcançam preços cada vez
menores." Além de derrubar o preço, a concorrência ajuda a desenvolver uma
série de inovações que deixam o iPhone para trás.
Já existem aparelhos com o sistema do
robozinho verde acessando a internet sem fio 4G, assistindo TV digital na palma
da mão e fazendo pagamentos por meio do sistema NFC. Nenhum desses recursos é
oferecido pelo celular da Apple. O sucesso e as possibilidades geradas pelos
telefones com Android despertaram a atenção dos desenvolvedores de aplicativos,
que até pouco tempo só tinham olhos para o iPhone. Com uma vantagem enorme: a
estratégia do Google para os disputados apps é muito mais liberal do que a da
Apple. Isso atraiu cerca de 450 mil programadores para a plataforma, o que
resultou no lançamento de 200 mil aplicativos. Quem quiser programar para
Android não gasta nada e pode colocar seu app direto no Android Market. O
número ainda é 2,5 vezes menor do que o de programinhas encontrados na App
Store, mas essa diferença está caindo dia a dia.
Aplicações redesenhadas
É claro que nem tudo é festa no
quartel-general do Google. O Android tem uma série de dificuldades que precisam
ser superadas antes que conquiste o mundo de uma vez por todas. Paradoxalmente,
a variedade no número de aparelhos é uma delas. Cada celular traz uma versão
diferente do Android e muitos aplicativos que rodam nos modelos mais caros não
funcionam nos mais baratos. Mesmo os apps compatíveis com os dois tipos terão
uma diferença grande de desempenho. Há ainda celulares Android com uma
infinidade de tamanhos de tela e velocidade de processador. Isso impede a
atualização do sistema. A situação se complica ainda mais quando a ideia é
adaptar as versões 2.x, feitas para smartphones, para as versões 3.x, feitas
para tablets. "Já trabalhamos na adaptação de aplicativos desenvolvidos
originalmente para rodar no Android de celulares para o Galaxy Tab",
afirma Pedro Nunes, CEO da MobMidia, empresa que criou aplicativos para iPhone
e Android sob encomenda para empresas como o banco HSBC e a operadora de
telefonia Claro. "Reaproveitamos o código, mas é preciso desenhar toda
aplicação para se adaptar às dimensões da tela", afirma Nunes.
Mais importante do que padronizar as
plataformas, o grande desafio do Android é ser tão lucrativo quanto o iOS.
Apesar do aumento no número de apps, a grande maioria dos usuários prefere e
está acostumada a baixar os aplicativos de graça. E tem muita gente que acha
que o Android Market é um lugar muito bagunçado para quem está à procura de um
programa novo. O resultado desse quadro pode ser constatado na diferença do
faturamento com aplicativos. O Google vendeu 100 milhões de dólares em
programas. Desde que lançou a App Store, a Apple já vendeu 68 vezes mais do que
isso - o equivalente a 6,8 bilhões de dólares.
O mercado de smartphones passou por uma grande
transformação há quatro anos, com a chegada do primeiro iPhone ao mercado. O
sucesso estrondoso do aparelho, no entanto, fez muito mais do que popularizar
tecnologias que até então eram pouco exploradas, como a tela sensível ao toque,
o acelerômetro e a interface simples e fácil de usar. Com ele, a Apple deixou
de ser apenas uma fabricante de computadores caros para se transformar numa
gigante de tecnologia que dita o ritmo da indústria de TI e, principalmente, o
comportamento das pessoas. Desde então, a empresa tornou-se imbatível na arte
de criar produtos para mercados que até então não existiam. "Muitas vezes,
as pessoas não sabem o que querem até que você mostre a elas", disse Steve
Jobs, o presidente da Apple, numa rara entrevista para a revista americana
BusinessWeek.
Modelo inovador
O grande exemplo dessa capacidade de tirar
novos mercados do chapéu é o lançamento do iPad. O tablet da Apple chegou às
prateleiras das lojas no primeiro semestre do ano passado e logo se transformou
num sucesso de crítica e de público. Em pouco mais de um ano, ele já está na
segunda edição e vendeu 19 milhões de unidades em todo o mundo. Em muitos
países o tablet está esgotado. Em tantos outros, como no Brasil, acabou de
chegar. "Numa pesquisa, usuários foram questionados sobre quais são as
três principais coisas que procuram em um tablet. A maioria respondeu navegar
na internet, assistir a vídeos e jogar", diz o analista-sênior do Yankee
Group, Dmitriy Molchanov. "Nenhum outro tablet consegue fazer isso tão bem
quanto o da Apple."
Nos próximos anos, a briga pela supremacia dos
sistemas operacionais, que começou nos smartphones, será levada também para o
campo dos tablets. Mais uma vez, a Apple saiu na dianteira com o iPad. Mas o
Android começa a aparecer no retrovisor, com lançamentos como o Galaxy Tab, da
Samsung, e o Xoom, da Motorola.
O modelo fechado de produção levou a Apple a
ser sinônimo de inovação, dona de produtos que viraram objetos de desejo. Por
outro lado, a empresa tem de enfrentar sozinha a disputa com concorrentes de
peso. Depois de ser deixada para trás pelo Android, surge no horizonte uma nova
ameaça. A Microsoft passou a apostar na parceria com a Nokia para fazer do Windows
Phone um sistema relevante para celulares.
A estratégia ainda está no início, mas as
perspectivas são animadoras. De acordo com projeções do Gartner, até 2015 a
empresa de Bill Gates deve ultrapassar a Apple no ranking mundial. Com a forte
demanda por celulares e smartphones, o iOS, o Android e o Windows Phone poderão
coexistir durante um bom tempo. O problema é quando o mercado começar a
arrefecer. O cenário que se desenha é o mesmo que afligiu a plataforma Mac no
mundo dos desktops. Com menos aparelhos, menos usuários e muitas regras
rígidas, a Apple corre o risco de voltar a ser uma marca inovadora, mas focada
apenas em um nicho de mercado.